Quanto custa financiar a casa própria?
As taxas nem sempre são o que parecem.
As diversas variantes que compõem o crédito imobiliário exigem atenção e podem encarecer bastante o empréstimo.
Os bancos vêm anunciando taxas de juros cada vez mais baixas no crédito imobiliário para, segundo eles, acompanhar a tendência de queda da taxa básica de juros (Selic). Mas mesmo com um financiamento um pouco mais barato, na prática, o preço que se paga pelo empréstimo está longe de ser tão baixo quanto sugerem as propagandas dos bancos.
De acordo com a média de juros de novembro de 2019 divulgada pelo Banco Central, as taxas praticadas pelas instituições são bem maiores que o mínimo anunciado. A variação ocorre porque, de acordo com os próprios bancos, nem todos os clientes preenchem todos os requisitos para conseguir as melhores taxas. Além disso, existem os outros custos que pesam no financiamento. Na prática, o desembolso extra pela diferença entre a taxa anunciada e o que vai se pagar na realidade pode chegar a R$ 97 mil, em um financiamento de R$ 400 mil por 30 anos.
Diferença de taxas em financiamento de imóvel de R$ 500 mil em 30 anos
Pela simulação feita pelo comparador de juros Melhortaxa a pedido do Valor Investe, é fácil de ver essa diferença entre os juros anunciados e os praticados. Por exemplo, a Caixa, que anuncia taxas a partir de 6,75% ao ano mais Taxa Referencial (hoje em zero), cobra, na verdade, 7,50% ao ano somente de taxa, sem contar os demais encargos da operação. A simulação considerou o financiamento de 80% do valor de um imóvel de R$ 500 mil em 360 meses.
Esses valores não consideram taxas do Minha Casa Minha Vida. São apenas para contratos que se enquadram no Sistema Financeiro de Habitação (SFH), que usa recursos de poupança e do FGTS na compra de imóveis residenciais de até R$ 1,5 milhão.
Em outra simulação, feita pelo comparador de taxas e fornecedor de crédito Credihome, as taxas da Caixa para financiar 70% do valor de um imóvel de R$ 500 mil ficaram em 7,95% ao ano.
Não bastasse essa diferença entre o que sai na propaganda e a taxa que o cliente encontra no banco, é importante ter em mente que o que você realmente paga para financiar a casa própria é o chamado Custo Efetivo Total (CET) da operação. Além da taxa de juros (efetiva), ele inclui seguros obrigatórios (mas de preço diferente), tarifas bancárias e até a avaliação do imóvel, que chegam a custar milhares de reais.
Por isso, não basta olhar o anúncio de redução de taxas de juros e correr para uma agência. É preciso analisar o conjunto de condições total desse empréstimo que costuma ser de longuíssimo prazo. Um passo em falso pode deixar você com uma dor de cabeça que pode durar anos.
Outro ponto importante de atenção é que nem sempre os bancos com as menores taxas mínimas têm o custo total do crédito mais em conta.
Por exemplo, na simulação acima, a taxa mais barata é a do Bradesco de 7,30% ao ano. No entanto, o CET mais baixo acabou sendo o do Itaú, mesmo com uma taxa de juros um pouco maior, 7,45% ao ano. Isso porque os demais componentes do CET não custam a mesma coisa nos diferentes bancos. No Itaú, o peso do extras do CET foi de 0,57 ponto percentual, enquanto no Bradesco a mordida alcançou 0,77 ponto percentual. O Santander foi o banco em que os "extras do CET" tiveram menor peso, de 0,55 ponto percentual.
Como funciona o CET?
Os bancos têm autonomia para cobrar o quanto quiserem, contanto que o CET (excluindo gasto com seguros e tarifa de administração do contrato) não ultrapasse o teto de 12% ano em contratos do SFH para linhas de crédito corrigidas pela TR, hoje equivalente a zero.
A análise do crédito imobiliário é feita com base em critérios de risco, como histórico de crédito e renda mensal. Mas há ainda algo bem subjetivo, chamado “relação com o cliente”, que pode ser usado para aprovar, negar, aumentar ou diminuir as taxas de juros.
Em geral, o discurso é sempre que as taxas mais baixas são reservadas para clientes que têm uma relação mais próxima com o banco, o que alguns poderiam dizer que se assemelha a uma venda casada. Às vezes essa relação “próxima de banco e cliente” se forma por meio da abertura de uma conta, transferência de salário, pagamento no débito automático do empréstimo. Outras vezes depende de quantos produtos financeiros você compra do banco, o quanto você tem investido em fundos da instituição ou se tem ou não cartão de crédito.
“Infelizmente não existe uma legislação específica que aponta esses critérios. Durante muito tempo se julgou abusivo cobranças acessórias em contrato bancários, o que já ficou pacificado que são legais. Quanto um banco cobra de taxa administrativa, por exemplo, cabe a ele estabelecer a tarifa, respeitando os limites máximos apontados pelo BC”, afirma a advogada especialista em direito imobiliário, Paula Farias.
O que precisa ficar claro para os clientes é que, embora a maior parte do CET seja composta da taxa de juros, uma redução nesse percentual não significa necessariamente economia, porque outros encargos que compõem o custo total podem até aumentar ao longo do tempo.
“Veja que os contratos bancários são regidos pelo Código de Defesa do Consumidor. O banco não pode, de má-fé, anunciar uma taxa mínima, a fim de chamar atenção do mutuário, e elevar os demais encargos, com o intuito de chegar no limite da CET. Por mais que não haja regulamentação própria, estaria caracterizado o abuso na relação do consumo”, completa a advogada.
Componentes de valor fixo
Há componentes do CET que são tarifas fixas, como o custo de avaliação do imóvel, que varia de R$ 3,1 mil a R$ 3,5 mil nos principais bancos, mas pode ser mais barata em fintechs. Outras encargos são variáveis, como a própria TR, taxas de administração de contrato e o valor da apólice de seguro.
“Às vezes um financiamento de menor valor pode até ter um CET maior porque cobranças fixas entram nessa conta”, pondera Rafael Sasso, cofundador do comparador Melhortaxa. Segundo ele, você vai pagar o mesmo para avaliar o imóvel, não importa se é um empréstimo de R$ 10 mil ou de R$ 400 mil e essa tarifa fixa influencia no CET.
A Credihome tem uma das tarifas de avaliação do imóvel mais barata. O presidente da empresa, Bruno Gama, afirma que essa cobrança inclui serviços de análise jurídica e avaliação técnica do imóvel. Segundo ele, muitos bancos contratam empresas de engenharia e repassam o custo para o cliente.
“Não temos margem nessa tarifa de avaliação porque nosso negócio é ganhar com a taxa de juros. Tentamos fazer o menor custo possível. Os bancos têm uma rede de prestadores de serviço”, afirma Gama.
Outro valor que normalmente não varia muito de um credor para o outro (embora não seja tabelada) é a tarifa bancária de R$ 25 ao mês. Ela parece inofensiva e um tanto irrelevante, mas em 30 anos de financiamento, você terá deixado R$ 9 mil no banco que gerencia sua operação de crédito, além de tudo que vai pagar em juros, claro.
Atenção aos seguros!
“Se eu só olhar quem tem o percentual menor do CET vou pagar menos, certo?” Mais ou menos. O CET é um cálculo de momento, que leva em consideração o preço de dois seguros obrigatórios em contratos pelo SFH. Essas apólices costumam ser pagas mensalmente, junto com os juros e amortização. Por lei, os bancos têm de oferecer apólices de pelo menos duas seguradoras diferentes. Normalmente, uma delas é vinculada ao banco que oferece o financiamento.
Um dos seguros obrigatórios é o de Morte e Invalidez Permanente (MIP), que varia de acordo com a idade e até as condições de saúde do mutuário, como é chamado o tomador de crédito no linguajar do financiamento imobiliário. Ele existe para que o saldo devedor seja quitado em caso de morte ou invalidez permanente do tomador de crédito ou um dos integrantes da renda familiar do contrato.
“Um dos principais fatores que faz o CET ficar mais alto é o seguro. Depende da alíquota que a seguradora cobra. Proponentes com idades em geral abaixo de 40 anos têm um custo final do seguro menor. A partir de 50 anos, o custo do seguro começa a ser mais relevante no valor da parcela. Isso pode tornar a diferença significativa”, explica Bruno Gama, da Credihome.
A idade é um dos fatores que altera o custo do crédito e o valor das parcelas. Por resolução da Superintendência de Seguros Privados (Susep), seguradoras não podem recusar apólices de transações em que a soma da idade do mutuário e do tempo de financiamento seja de até 80 anos e seis meses.
Mas o fato é que as parcelas do seguro e do financiamento tendem a ser maiores para quem é mais velho. Quem já tem 60 anos só pode financiar um imóvel por um prazo de até 20 anos e seis meses pelo SFH. Quanto mais velho, mais caro o seguro, porque quando a idade avança e a saúde se deteriora, a seguradora entende que está exposta a mais riscos de ter de arcar com o saldo devedor.
“Para fazer o MIP tem todo um trabalho que as seguradoras fazem. Existe a declaração pessoal de saúde e tem ainda um pequeno laudo, um formulário que o cliente preenche para que a seguradora avalie o risco. Um dos fatores que altera o preço é a idade. Uma pessoa com idade mais avançada tende a ser um risco maior para o credor”, afirma Romero Gomes de Albuquerque, diretor do departamento de empréstimos e financiamentos do Bradesco.
A outra categoria obrigatória é o seguro de Danos Físicos do Imóvel (DFI). Esta apólice é bastante sensível ao valor do imóvel, quanto mais caros a casa ou o apartamento, maior o DFI. Para se ter ideia, no financiamento de um imóvel de R$ 500 mil, o preço atual desse seguro varia de R$ 25 a R$ 45 por mês. Já para o crédito de um imóvel de R$ 1 milhão, os preços dobram e vão de R$ 50 a R$ 90 por mês. Parece pouco? Multiplique por 360 meses de prazo de empréstimo.
O DFI serve para cobrir prejuízos causados ao imóvel por fatores externos ou adventos da natureza, como incêndios, enchentes ou desmoronamento. Numa dessas eventualidades, a seguradora deve cobrir os custos de conserto para deixar o imóvel nas condições prévias ao incidente e evitar que ele perca valor. Afinal, o imóvel é a garantia que o banco tem em caso de inadimplência do empréstimo.
Voltando à simulação do Melhortaxa, apesar de o CET do Itaú ser o menor, a soma das parcelas do financiamento acabou ficando mais cara. Nesse quesito, Caixa e Bradesco saem na frente.
Isso ocorre porque, muitas vezes, o preço do seguro pode variar mês a mês ao longo dos anos de financiamento. Isso depende da política da seguradora, se ela tende a aumentar ou não o preço da apólice com o passar dos anos, e envelhecimento do mutuário.
Rafael Sasso, da Melhortaxa, avalia que o CET ainda deve ser a prioridade do consumidor na hora de escolher o financiamento. Segundo ele, a soma total das parcelas pode ser injusta porque acaba sendo um retrato de momento, com cotação atual de apólices de seguros. "A variação das parcelas são diferentes por causa dos seguros, cada seguro tem uma forma de alterar os valores. Por isso, não é a soma das parcelas que define o que é melhor. O grande lance é comparar o CET", diz.
De acordo com o diretor do Bradesco, Romero Gomes, o banco tem por política trabalhar com seguradoras cujos preços não flutuam. “O consumidor tem de olhar para o CET e fazer a conta entre os bancos, de cada prestação para saber se tem alguma pegadinha. Ele sempre deve ficar de olho no preço do seguro ano a ano. Nossos números são muito transparentes. O cliente não vai ter surpresas ao longo do financiamento”, afirma.
O executivo defende ainda que o consumidor avalie outras condições de compra, como a facilidade de envio de documentos por meio de aplicativos e da internet e o tempo de finalização do negócio. Às vezes, a demora na aprovação e liberação do crédito pode até levar à perda daquele imóvel para outro comprador.
“Temos tentado melhorar a experiência e suavizar um momento que é tenso para o brasileiro, que vai tomar o maior crédito da vida dele. Investimos nas tecnologias para facilitar o negócio e em um ano reduzimos em 34% o tempo da operação. Em média, hoje, está demorando 27 dias para finalizar”, diz.
Seus direitos
De acordo com a advogada especialista em direito imobiliário, Paula Farias, é importante que o consumidor leia tudo do contrato. Inclusive cláusulas que prevejam o aumento de taxas em caso de distanciamento entre o banco e o cliente.
Ela também lembra que o contrato deve discriminar detalhadamente tudo que compõe o CET, cada encargo e tarifa, inclusive a possibilidade de financiar o registro em cartório, de geralmente 1% do valor de compra e venda e Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), que costuma variar de 2% a 4% do valor de compra e venda do imóvel.
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